O Brasil não inventou a música nem o futebol, mas
em todo o mundo se ouve samba, baião e bossa nova, e sobre nossa versão do
"nobre esporte bretão" nem preciso comentar.
Do mesmo modo, a cinofilia como a conhecemos é
outro nobre esporte bretão, criada no século 19 na Inglaterra, mas o Brasil já
pode dizer que contribui com pelo menos nove raças de origem legitimamente
brasileira. Elas mesmas: Fila Brasileiro, Terrier Brasileiro, Dogue Brasileiro,
Ovelheiro Gaúcho, Griffon Barbudo, Buldogue Campeiro, Veadeiro Pampeano,
Rastreador Brasileiro e Podengo Crioulo, embora apenas três tenham até agora
reconhecimento internacional. (E o Fox Paulistinha, meu? Este é
"apenas" outro nome comum para o Terrier Brasileiro.)
Fila brasileiro
Com trocadilho e tudo, quem puxa a "fila"
das raças caninas brazucas é este imponente, corajoso e fiel cão de guarda e
boiadeiro, a mais famosa raça brasileira e a segunda a ser reconhecida
oficialmente (em 1968, logo após o Rastreador Brasileiro) pela FCI (Federação
Cinológica Internacional), que tem sede na Bélgica e exige detalhes como
ausência ou controle de problemas genéticos e quantidade mínima de exemplares
homogêneos sem parentesco próximo.
Resultante do cruzamento de raças como mastifes,
buldogues e bloodhounds trazidas pelos primeiros colonizadores e ocupantes
portugueses e holandeses, o Fila sempre ajudou muito na travessia de florestas
cerradas e virgens e na guarda e condução das propriedades e rebanhos,
inclusive recuperando reses desgarradas.
E ganhou até uma campanha de marketing informal nos
anos 1980, quando apareceu por toda parte a pichação "Cão Fila Km 26"
— referindo-se a um canil da Grande São Paulo (na Estrada do Alvarenga)
especializado na raça.
O fila chegou a ter fama exagerada de cão feroz e
perigoso, comparável à que os pobres Pitbull e Rottweiller enfrentaram mais
tarde. Mas hoje se sabe que o risco apresentado por um canino depende de sua
criação; houve até um criador de Filas que demonstrou em pleno programa apresentado
por Jô Soares que um Fila pode ser bastante manso, levando vários destes
peludos que até ganharam afagos da plateia.
Ah, sim: afinal, por que o nome "Fila"?
Nada a ver com aquelas amadas aglomerações ordeiras, mas vem do verbo
"filar", derivado de "filhar" e que significa "agarrar
com firmeza, segurar com os dentes"; a expressão "cão de filhar"
já era comum no século 19; "filar" significa também, claro,
"pedir de graça", mas isso é outra história.
Terrier Brasileiro
Os cães Terriers são tão queridos quanto
confundidos. Assim como já vi o cachorrinho da gravadora RCA ser descrito como
sendo quatro tipos diferentes de Terrier, há dúvida também sobre a origem do
Terrier Brasileiro, cujos ancestrais são Terriers não especificados (podem ter
sido Foxes ou Jack Russells) que trabalhavam como caçadores de ratos em navios
mercantes vindos da Europa, principalmente a Inglaterra, desde o século 19.
A hipótese do cruzamento que originou a raça ter
incluído o Fox Terrier explica o fato de nosso Terrier Brasileiro ser chamado
também de Fox Paulistinha. O fato é o padrão da raça se fixou em 1920 e ela foi
a terceira a ser aceita pela rigorosa FCI, em 1996.
E o Terrier Brasileiro continua se dando bem não só
como guardião de mercadorias num país cada vez mais industrializado, mas também
auxiliar na guarda e controle dos rebanhos nos campos — e seu temperamento
ativo e baixa agressividade o fazem campeão na companhia de crianças e
"dog shows".
Mas, como quase todo artista, gosta de ser
independente e precisa ser treinado com decisão. Saiba mais na página da
Associação Brasileira do Terrier Brasileiro: http://www.terrierbrasil.com.br/
Rastreador Brasileiro
Está aí uma raça que merece um belo filme. Seu
próprio nome diz para que ela foi criada: auxiliar na caça de animais,
especialmente porcos do mato e onças, detectando-lhes a presença, acuando-as
para serem abatidas mais facilmente e inclusive alertando o dono ou o caçador
com latidos.
Daí ser conhecido também como "urrador".
Sua gênese é bem documentada, criado pelo gaúcho Oswaldo Aranha Filho (sim, seu
pai foi o famoso político), a partir de cruzamentos de raças como Foxhound
Americano, Black And Tan Coonhound, Petit Bleu de Gascogne, Black And Tan Hound
Inglês, Bluetick Hound Americano e até nosso Veadeiro Pampeano.
O Rastreador Brasileiro foi concebido nos anos 1950
e a aceitação da FCI até chegou rápido, em 1967. Mas, infelizmente, em 1973
todos os exemplares do canil de Aranha Filho — único a desenvolver e
comercializar a raça — faleceram devido a uma epidemia de piriplasmose trazida
por carrapatos e intoxicação por ter um funcionário do canil aplicado
inseticida em excesso.
De modo que o reconhecimento da FCI foi revogado e
a raça teve de ser declarada extinta.
Ou não? Aranha Filho havia doado cerca de 40 filhotes machos a caçadores
e fazendeiros para teste de desempenho durante o aprimoramento do perfil.
De modo que hoje temos vários descendentes de
Rastreador Brasileiro não só no Sul, tchê, mas até na Bahia e nas Alagoas —
embora conhecidos por outros nomes como Cachorro Onceiro, Pantaneiro, Americano
e até Urrador Brsaileiro. Muitos cinófilos têm esperanças de que o Rastreador
Brasileiro volte a ser criado e reconhecido.
Eu disse que a raça daria um belo filme? Acho que pelo menos dois... Mas já temos um bom começo, com página na Internet do Grupo de Apoio ao
Resgate do Rastreador Brasileiro: http://rastreador.urrador.vilabol.uol.com.br/
(Percebi que muitos criadores de cães fazem o mais
importante e mais difícil, criar cães, mas parecem pouco afeitos a atualizar
páginas na Internet, e aqui vai o contato: rastreador.urrador@bol.com.br )
Buldogue campeiro
Esse não brinca em serviço, capaz de arrastar
porcos pelas orelhas e segurar um boi de meia tonelada pelo focinho. Mas, tal
como seu antecessor Buldogue inglês, ele brinca muito bem na hora de conviver
com crianças e famílias — e, ao contrário daquele, não perdeu a disposição para
guarda e auxílio na caça e rastreamento.
O Buldogue Campeiro surgiu nos Estados do Rio
Grande do Sul e Santa Catarina no século 19, e se tornou muito popular. Mas nos
anos 1970 quase foi extinto, devido a cruzamentos feitos de qualquer jeito por
inexperiência ou ganância para vender "buldogues campeiros
diferentes".
Coube ao gaúcho Ralf Schein Bender, fã desde
criança do Buldogue Campeiro, a honra e a missão de literalmente salvar a raça,
estabelecendo-se como criador dedicado à própria em 1978. "Os novos
buldogues eram mestiços e não conservavam mais aquelas características
marcantes da raça que eu estava justamente buscando.
Foi triste constatar que num período relativamente
curto de tempo os cruzamentos alteraram tais qualidades", lembra Ralf.
Siga também a página oficial da raça, www.buldoguecampeiro.com.br
Ovelheiro Gaúcho
Mas bah, tchê! No nome desta raça já se vê sua
origem e função original, a qual ele ainda exerce com brilho, pastoreio de
ovelhas e outros rebanhos. Esta raça surgiu do cruzamento não muito planejado
de diversas raças usadas para cuidar de rebanhos, principalmente o Border Collie.
O temperamento do Ovelheiro Gaúcho parece ser
criado sob medida para cuidar de ovelhas; agressividade e ataque não são seu
ponto principal, mas ele se sai muito bem como cão de alarme.
Griffon barbudo
Também conhecido como Barbudinho, ainda não foi reconhecido
oficialmente como raça, por não haver quem organize sua criação e reprodução —
inclusive a raça está ameaçada de ser extinta como tal - , embora seja muito
usada por pessoas leigas em cinofilia para companhia, caça de subsistência e
pastoreio de gado e ovelhas.
Veadeiro Pampeano (ou Pampeiro)
Eis outra raça brasileira cujo nome não deixa
dúvidas quanto ao local de nascimento e função original, embora seja conhecida
também como Veadeiro Brasileiro — e suas raças matrizes sejam um pequeno mistério.
O Veadeiro Pampeano tem temperamento mais tranquilo
que o de outras raças caçadoras, pois não costuma trabalhar sozinho e sim em
duplas ou matilhas, convivendo bem com outros cães, e é também excelente cão de
companhia para humanos.
Dogue Brasileiro
Além de seus grandes méritos como cão de guarda e
estimação e a agilidade apesar do grande porte — segundo muitos, superior a
ilustres raças estrangeiras como o Rottweiller — , esta raça é o sonho de todo
pesquisador: dela sabemos a data de surgimento, 1978, e o nome do
"pai", Pedro Dantas.
Outra distinção do Dogue Brasileiro é ter sido a
primeira raça canina brasílica nascida em ambiente urbano, longe das plantações
e rebanhos de seus colegas peludos.
O Dogue Brasileiro só passou por uma grande
mudança: o nome, originalmente Bull Boxer, refletindo as raças que o
originaram, o Boxer e o Bull Terrier. E a raça está cada vez mais próxima de
ganhar o reconhecimento da exigente FCI, faltando apenas comprovar existência
de oito linhagens homogêneas vindas de pelo menos dois machos e seis fêmeas,
com cada uma destas linhagens sem pais, avós e bisavós em comum com as outras
sete.
"Pretendemos satisfazer esse requisito em oito
diferentes regiões geográficas, cada qual supervisionada por um clube",
diz Pedro Dantas. Estas regiões são Campo Grande (MS), Rio de Janeiro, Caxias
do Sul (RS), Brasília, Florianópolis, Porto Alegre, Recife e Salvador, as três
primeiras já contando com clubes dedicados à raça. Acompanhe: http://www.petbrazil.com.br/bicho/caes/221.htm.
Podengo crioulo
Afinal, qual a origem da palavra
"podengo"? Ainda não se sabe, exceto que já era usada em Portugal no
século 16 para designar cão caçador que age em matilha.
O fato é que o Podengo Crioulo existe em todas as
regiões do Brasil e seu nome varia de acordo: Aracambé, Pé Duro, Orelhudo,
Coelheiro, Paqueiro (de "pack hunting", caça em matilha, ou de
"paca"?), Tatuzeiro, Rateiro e até Terrier de Minas. Mais detalhes
sobre a raça em http://www.podengocrioulo-podengobras.blogspot.com.br/
Os biólogos Marcelo Ribeiro dos Santos e Tiago
Abreu Barbosa da Silva perceberam que a raça estava em risco de extinção e se
empenham no resgate e reconhecimento oficial do Podengo; eles conseguiram
estabelecer o padrão da raça, que ainda aguarda aprovação e reconhecimento
oficial do CBKC (Confederação Brasileira de Cinofilia).
"Tivemos a exigência por parte da CBKC de
fundar um clube da raça, microchipar os cães e fazer um studbook", conta
Marcelo.Ribeiro. "Quanto ao studbook com fotos não há problemas, mas para
fundar um clube e microchipar todos os cães é necessário tempo e dinheiro que
não possuo.
Devido a isso, eu e os dois outros criadores
oficiais da raça estamos nos preocupando em selecionar nossas linhagens com
cuidado e em fomentar novos criadores. O problema é que, por ser um cão
facilmente encontrado nas ruas não tem apelo comercial, sendo que só os
apaixonados se aventuram a criar e aperfeiçoar a raça.
Eu já estou na quarta geração de cruzas
programadas, com excelentes resultados, e Tiago Abreu está na sexta ou sétima
geração de seleção dos miniaturas. Nossos cães estão cada vez mais homogêneos e
rústicos, com temperamento inigualável e beleza crescente (ao menos para nós!).
Nunca criaria outra raça e sei que meus filhos
continuarão meu trabalho quando eu partir deste planeta. O Podengo Crioulo não
vai se extinguir!"
Não mesmo, e também no que depender das pessoas
amantes de cães. Obviamente, cada uma destas raças caninas brasileiras merece
espaço maior. Mas aqui estão elas todas juntas — ou quase, pedindo desculpas às
que esqueci ou de que ainda não ouvi falar. Fiquem de olho neste espaço!
Site Yahoo Brasil. Por Ayrton Mugnaini Jr. | Vida de Cão.
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